TUAS BOTAS NO ANDAR DE BAIXO
Um
encontro que não precisa de definição.
Espaço
para o coração que habita.
Terna
lembrança.
Puro
devaneio.
Quem
sabe quebramos o muro da realidade
Para
de fato adentrar no invisível das coisas
No
fantástico das relações?!
TUAS BOTAS NO ANDAR DE BAIXO
Todos os teus dedos tocam a
realidade, moldam as bordas por onde teu braço segura, incitado pelo teu passo
desbravador.
Teu verso só foi
clamado quando chegou em casa, tirou a bota, acendeu um cigarro verde e tateou
o espaço vazio existente no andar de baixo. Aquele andar onde habitava todas as
lembranças de nós dois.
Uma sensação
constante de que nem tudo foi dito.
Era percebida a
lembrança do espaço preenchido pelas nossas tardes e noites, e às vezes
madrugada.
As madrugadas
eram sagradas para nós.
No começo
fumávamos, bebíamos e fazíamos amor ate amanhecer.
Às vezes, até o
sol deixar o colchão coberto de lembranças descobertas pelos cobertores,
Os armazenadores
de nosso ritual.
Despertos
percebíamos o amanhecer.
Ficávamos
brisando no silencio de nossa voz para a completude do olhar tão profundo e
capaz de tele-transportar sentimentos, histórias, percepções, tudo que quisermos.
Era como se
estivesse ouvindo tudo que você dizia, só que de um jeito mais intimo e
profundo, como se não fosse possível questionar, justamente por não ter o que
questionar.
Ate que chegava
a hora de você ir para o trabalho...
Constantemente
me dizia que preferia ficar fazendo recortes em revistas, costurando,
colecionando tecidos e indo a brechós.
Passava o dia
naquela agencia, sentindo que tinha um mar de navegantes lá fora.
Todos os dias dizia-me,
que não fazia sentido aquilo...
Mas o que fazer?
Como viver de
recortes, colagens e costura...
A idéia era
lançar todos aqueles desenhos. Produzir aquelas roupas,
Expor aqueles
quadros pintados em noites de lua crescente,
E geralmente
concluídos em noites de lua cheia.
Gostava quando
retornava de si.
Sim, gostava.
Gostava do teu
mundo e conseguia lidar serenamente com a tua individualidade.
Entendia que era
necessário para você transmutar aqueles assédios que te violentavam. Que
necessitavas organizar essas energias que diariamente tinha de lhe dar.
Navegava em seus
sentimentos na tentativa de fundir sonho com realidade.
A ordem em si,
não te importava, deis de que o sonho se fizesse vivo, e tivesse pernas para
dar passos firmes.
Esse pensamento
só me veio na noite chuvosa que balançava as folhas do quintal, fazendo todos
os gatos entrar em casa.
Ate hoje acredito
que eles eram seduzidos pelas luzes das suas luminárias, dispostas no andar de
baixo,
Um lugar, onde
todos nossos movimentos estavam impregnados do melhor da ritualística dos
corpos em movimentos sagrados suor, fusão de almas.
Apreciava ver-te
acendendo as velas dos castiçais uma a uma,
Revelando as
partes daquele mundo fantástico,
Construído nos
domingos que saia em busca de encontrar antiguidades, simbólicos artefatos.
Apreciava sua
forma de se relacionar com o mundo. Você me inspirava Arte.
Gostava do
carinho com que me servia seus chás com ervas desconhecidas por mim.
Divertia-me
quando começar a girar com belos tecidos de olhos.
Uma vez me
presenteou-me com um desses tecidos de olhos. Um que estava em seu braço.
Durmo com ele
nas noites que os dragões estão alados ao meu lado, por ai.
Nada é tão
confortante quanto à serenidade da tua companhia.
Não precisar
sair correndo por ai.
Quem corre vive.
Mas é sempre bom lembrar, que é vivo mesmo quem sonha e realiza.
Gosto de ti. Te ver
dançar nesse salão de sentimentos embalado por Mouvement, La Muette, Naomi e Soir de
Fête.
Musicas que
quando dança, ascendem as botas,
No salão do
andar de baixo,
Causando a
sessão de que a vida é tão misteriosa quanto o sonho.
La Muette ganhava as paredes
fazendo o salão se tornar um piano.
Tinha tanto
sentimento que nem precisávamos falar.
Tecido de olhos
na sala,
Vendo um dos
teus filmes mudos prediletos,
Discovery com
caixa de bailarinas góticas,
Ponto de mutação.
Era um salão
imerso em memórias.
Mas isso é só um
pensamento,
Um ligado ao
outro,
Tudo para dizer
que necessitava desse tempo teu.
No começo eu não
entendia essa sua reação.
Sentia-me
inseguro.
Mas, naquelas
noites que fazíamos amor madrugada adentro atravessando luzes,
Abria portais de
diálogos,
Revelando muitas
sutilezas do ser que habita o coração,
Desmistificando a
nossa telepatia.
Muitos medos foram
superados.
Muitos sonhos foram
partilhados sem dizer uma palavra.
Duas ou três
frases talvez,
Possuíamos em
nossa relação o conforto do silêncio
Que despertava a
sensação de que tempo arte.
Que todas as
nossas possibilidades dependem sim do sim.
Afinal, antes de
tu viajar te disse:
Dizer sim a um
momento. É dizer sim a toda a eternidade.
Samir Raoni
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