AS CASAS COMO ELAS SÃO


AS CASAS COMO ELAS SÃO

São todas rebocadas por dentro e por fora, algumas grandes e espaçosas, outras pequenas e estreitas. Algumas com muitas janelas, e outras sem paisagem para ás ter. Casas com portas fechadas, com seu toldo aberto. Minha casa, cor verde limão, aparece segurando os quadros em fileiras, seguidas de vasos sem flores...
Bato nas portas alheias querendo entrar, ninguém abre a porta. Continuo batendo...
As casas andam no condomínio sem domínio. Verdade ouvida no plural, no singular. Verbo publicado em placas de vende-se, aluga-se, compra-se. Poucas vezes: empresta-se, doa-se... E assim meio de lado vemos o sol no fim do quarteirão...
Casas sem encapagem, sem condições de suportar a cólera dos dias nublados que se tornou, tornaram, tornado de medo das casas caídas pelas ruas escuras de olhos fechados para si, para a luz que vem do sol, da lua, das estrelas acesas em todos os nortes, sus, lestes, oestes de todos nós, casas indefesas com mesas, copos e geladeiras.
Gélido nas estações que não vi passar na varanda inexistente...
Gente demais para um sol que muitos não vemos nascer por estarmos presos nas casas rebocadas construídas e mantidas pelo ego.
-Encosto meu rosto na parede e tenho a impressão de que o teto toca o chão.
Em meu pé descalço, dedo calejado em lajota polida pelo sol nublado, refletido nas janelas de madeira de figo com ceira.
A casa é vermelha por olhos e sonhos que ás vezes eu perco nos passos dados na sala.
O quarto dá visão para o quarteirão, há vizinhança inexistente e deitada como corpos desfalecidos na cama acolchoada.
Toco o meu rosto oleoso de rotina que o café da esquina paga com sua casa destelhada e acompanhando o café leite longa vida.
Um tom de mistério ocupa o azul do céu, como se alguém merecesse saber de algo que eu não sei.
- Não me importo em perder.
-Mas me perder em mim mesmo é desesperador!
-Não reconhecer à mãe, os irmãos, a família... É um martírio grande demais para a sala da casa verde limão.
Não culpo você por nem sempre conseguir me ajudar. Devemos saber os nossos limites... E não indicar o caminho errado, esta ao meu lado já é uma grande ajuda.
-Depois que escolhemos um caminho temos que colher tudo que ele proporcionar...
-Minha casa é um deserto em mim mesmo, com areia movediça a cada respiração.
-O tempo não rompe.
-A casa se mantem em pé.
-A rotina existe lá fora.
-Aqui dentro a necessidade de mudar os corredores, os móveis, os livros, a vizinhança.
-São casas, são formas, são elas...
-As casas como elas são.

Samir Raoni

Comentários

  1. Raoni, um dos mais belos poemas de Manuel Bandeira diz assim (um pedaço): "Vão demolir esta casa/mas meu quarto vai ficar/ não como forma imperfeita/ neste mundo de aparências:/ Vai ficar na eternidade/ com seus livros, com seus quadros/ intacto, suspenso no ar". Gostei do seu blog. Obrigada por me salvar da dúvida sobre o Mestre dos Magos. Mas também fiquei traumatizada... Um beijo

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  2. As casas são ilhas de edição
    como dizia Ualí Salomão sobre a memória
    Pois dentro de casa que é dentro de nós, acontecem todas as lembranças, todos os atos, todas as ações, os sorrisos, alegrias,brincadeiras e coisas que surgem na hora do almoço para nos trazer sentimentos antigos, da época que éramos félizes. Eramos e ainda somos, hoje ainda mais, com realizações e novas metas.

    Mas temos de mudar os móveis, os livros e a vizinhança. Temos de ampliar isto tudo, gradativamente. Deixar sob o sol, plantar uma árvore no quintal, trazer nossos amigos para perto, confraternizar, fazer almoços, jantares, lanches. Proporcionar a chance de ouvirmos e falarmos, nos olharmos, nos unirmos. Trazer isto para nossos pais, levar nossos pais aos nossos amigos, apresentar suas famílias, intrincar, conjuminar, como dizia nosso saudoso Bruno de são paulo. Irmão, se nos olharmos, saberemos como nos ajudarmos.

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  3. A casa, a mater, o útero sempre presente...

    Gostei muito da tua escrita. Voltarei.

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